Só mesmo o fato de a Mystical Vision ser de uma região menos reconhecida no cenário underground poderia explicar o fato de uma banda com tamanha qualidade não ter um destaque maior entre os headbangers! Afinal, vinda de Manaus, cidade cuja cena cresce a cada dia, a Mystical Vision tem uma longa história, quase tão longa quanto o underground latino-americano: a banda começou suas atividades no remoto ano de 1987, mantendo-se na ativa até 1999, quando resolveram dar uma pausa nas atividades do grupo. Porém, em 2011, contando com os membros originais Marcelo Sanches (baixo e vocal) e Silas Pimenta (guitarra), além dos “novatos” Carlos Mota (guitarra) e Eduardo Fiúza (bateria & backing vocal), a banda retomou seu rumo e finalmente lançou seu debut, o primoroso “Alchemy of chaos”.
Em primeiro lugar, chama a atenção o fato de eles contarem com uma formação igual à do Slayer, ou seja, duas guitarras, baixo/vocal e um batera, composição que talvez não seja mera coincidência se pensarmos que a primeira referência que surge aos ouvidos é exatamente a do quarteto californiano. Aliás, eles vão buscar essas influências lá nos clássicos discos do Slayer, principalmente o “Reign in blood”, um dos melhores e mais importantes álbuns de toda a história do metal. Tais influências ficam claras tanto na bateria (a pegada de Eduardo Fiúza lembra muito o estilo de Dave Lombardo, bem como o som da batera neste disco), quanto no vocal de Marcelo Sanches, que tem um jeitão bem Tom Araya, ou seja, aquela voz grave, quase gutural, e muito raivosa, embora inteligível. As guitarras também não ficam atrás e despejam riff atrás de riff, além de solos “kerry-kinguianos” e palhetadas à Jeff Hanneman. Contudo, no caso das guitarras, há ainda uma benéfica influência do Exodus dos tempos do “Bonded by blood”, que vem contribuir pra deixar o som mais cortante e na cara! Um detalhe: tais influências, de maneira alguma, indicam que se trata de uma cópia, longe disso! São apenas referências para melhor situar o leitor/ouvinte, que pode saber mais ou menos o que vai encontrar neste disco.
Fora isso, o disco contém 11 sons que pretendem jogar o ouvinte na parede logo na sua abertura, com a faixa-título, uma pancada capaz de torcer o pescoço já no início da audição! Muito boa mesmo! O disco se mantém nesse ritmo alucinado até o final, o que por si só já garantia de felicidade para qualquer headbanger que se preze. Não há como destacar esta ou aquela faixa, porque todas mostram que a banda tem uma identidade bem definida. Mesmo assim, eu diria que “Pain machine”, “Tank attack”, que apresenta um toque de death metal em sua pegada rápida – aliás, essa dobradinha thrash/death também ajuda a nos transportar direto para o passado, pois lá nos idos de 1986 ou 1987, não havia uma clara separação entre esses subgêneros, a ponto de contarmos com diversos exemplos de bandas que praticavam essa forma híbrida de som extremo, sem dar muita bola para as diferenças de concepção de cada estilo – a arrastada “The great chamber” e a nervosa “Sadistic” – que tem um sabor hardcore nos seus riffs simples e eficientes – servem bem para exemplificar a sonzeira que eles fazem em “Alchemy of chaos”.
É imprescindível também mencionar o papel que as duas guitarras desempenham no disco, pois a excelência no manejo dos instrumentos é inegável! Silas Pimenta e Carlos Mota são afiados demais e criaram linhas de guitarra muito originais e bem pensadas, além de apresentarem alguns solos cheios de personalidade. Não é à toa que eles incluíram no álbum uma faixa instrumental, a trampada “Hammerhead”, que tem até uns toques mais melódicos, sem deixar a peteca da pancadaria cair, é claro, e nem se chapar no narcisismo que costuma predominar em temas assim. Afinal, apesar de toda a técnica que o grupo mostra dominar, o lance aqui é porrada do começo ao fim, feita para quebrar o pescoço tanto da turma da velha escola quanto da rapaziada mais nova que se amarra em som extremo.
Por fim, cabe dizer que, embora seja um lançamento independente, a produção é de altíssimo nível e é assinada por Marcelo Sanches e Carlos Mota, sendo que o último ainda mixou e masterizou a bolachinha, realizando um ótimo trabalho. Em resumo, é um trampo recomendado para os fãs do gênero, que podem ir atrás dele sem erro, pois apesar da produção moderna e cristalina, o som que sai dos alto-falantes aqui é tão old school quanto a própria banda. Torçamos agora para que o resto do Brasil e o mundo lá fora possam saber que nem só de floresta amazônica e zona franca vive a região Norte, pois uma banda consistente e com uma história tão longa quanto o Mystical Vision não pode passar despercebida na cena!